por T. Austin-Sparks
Capítulo 12 – A Voz de Ezequiel (continuação)
Se as profecias de Ezequiel eram lidas nas sinagogas, e não temos dúvida de que realmente eram, os ouvintes ouviam a frase três vezes repetida –“Eu te pus como sinal”; "Dizei, eu sou o sinal de vocês”; “Tu serás um sinal para eles" (Ezequiel 12:6,11; 24:27). Esta designação aplicada ao profeta encarna e significa o maior de todos os métodos de Deus com o homem. É, portanto, algo para se tomar muito cuidado e que deve ser seriamente observado por todos aqueles que são chamados para representar Deus no mundo; e qual cristão não possui esse chamado? Na verdade, esta é a vocação do cristão e da igreja! Este método supremo de Deus é aquele segundo o qual a Sua verdade é encarnada nos Seus mensageiros: isso significa que Ele não apenas dá uma mensagem em forma de palavras, mas que também faz do próprio mensageiro a Sua mensagem. Não é apenas aquilo que se tem dito, mas aquilo que a pessoa tem sido. Isso significa que a história espiritual do representante é o fundamento da mensagem. É por isso que o fator e o elemento de vida é tão proeminente nas profecias de Ezequiel. Deus não trabalha de forma mecânica – como uma máquina – mas por meio de “criaturas viventes”. A vida é a essência do testemunho.
Quão fortemente esta lei é aplicada a Ezequiel! Este profeta não está dizendo: ‘Eu tenho um discurso, um ensino, para passar a você.' Não. Ele está dizendo: ‘Eu sou o vosso sinal’.
Assim, o Senhor faz com que dolorosamente o profeta demonstre a mensagem em seu próprio corpo, fazendo com que as coisas aconteçam em sua vida, até mesmo na sua vida doméstica, como, por exemplo, a morte de sua esposa, a fim de tornar a mensagem de Deus algo muito pessoal e ocular. Isso é algo muito desafiador e penetrante; mas também é muito esclarecedor a maneira como Deus trabalha nos Seus servos. Podemos ver a estreita identidade das pessoas e o ministério de Paulo, Pedro, João e outros. Primeiro eles tiveram que passar pelo ministério antes que o ministério pudesse passar por eles. Poderíamos ampliar isto em muitos aspectos, mas isso iria nos envolver de forma demasiada. Precisamos nos manter próximos à lei dos caminhos de Deus. Veremos agora como e por que a nossa Escritura básica – Atos 13:27 – está relacionada a Cristo e a Paulo. O argumento dos apóstolos sempre foi o de que tem havido um Homem entre os homens, e que este Homem, Ele próprio era a mensagem de Deus, e não apenas o Seu mensageiro. Jesus enunciava esta lei e método Divino toda vez que dizia: “Eu sou!” Ele era a representação de Deus! Ver a Ele, dizia Jesus, era ver o próprio Deus. Não ver Jesus era a própria natureza e julgamento da cegueira espiritual. Leia novamente o Evangelho de João sob esta ótica. Assim, ‘a voz do profeta’ tinha se tornado uma pessoa viva.
Por ocasião da encarnação do Filho de Deus, esta encarnação foi revelada como sendo algo muito maior do que apenas Deus assumindo a carne e o sangue. Quando João escreveu: “A Palavra era Deus ... e a Palavra se fez carne e habitou entre nós" (João 1:1,14), esta foi a introdução ou prefácio do seu evangelho. Ele, então, passou a elaborar e a ampliar isso, mostrando o que realmente significou a encarnação. Isso – em seu evangelho e a luta dada a ele pelo Céu – resolveu-se de duas formas contrastantes. De um lado, João mostra que tudo em relação a Deus tinha sido reduzido pelos Judeus a um simples sistema cristalizado; uma tradição fixa, como tal; uma instituição, um credo, um ritual, uma forma, um acordo legal; e, embora eles não usassem essa palavra, uma organização.
De outro lado, João mostra que Jesus persistente, inflexível e reiteradamente disse “Em verdade, em verdade”, trazendo tudo para Si, tornando tudo uma questão pessoal. Ele era a Lei. Ele era o Templo. Ele era o Cordeiro. Ele era o Sumo Sacerdote. Ele era o Pastor inclusivo e a Videira, ambos símbolos de Israel como o rebanho do Senhor e a plantação do Senhor, respectivamente. Jesus não permitiria que o povo do seu tempo se desviasse dEle. Tudo na encarnação haveria de se tornar uma Pessoa, e esta Pessoa deveria – com a chegada do Espírito Santo – não apenas ser o Cristo pessoal (o qual permaneceria, sim), mas também ser manifestado de forma corporativa.
Todas aquelas coisas mencionadas acima, nas quais o Judaísmo havia se tornado, tinham sido substituídas por uma Pessoa. Este era o sinal. Foi isso que o inspirado Simeão quis significar quando, tomando a criança em seus braços, disse: “Esta criança é posta para a queda e elevação de muitos em Israel, e como um sinal de contradição”. (Lucas 2:34) Este é o significado de Cristo.
Por isso, o verdadeiro Cristianismo não é uma organização, uma instituição, uma tradição, uma forma, um credo, um ritual, etc.; mas é a presença e a expressão de uma Pessoa, o Filho Vivo de Deus! O Filho Vivo de Deus e a organização são completas antíteses. Organização é mecanismo, comitê, congresso, diretorias, arranjos, esquemas, e assim por diante, sem fim. É o controle da mão humana, e da mente humana, no tocante à obra de Deus. Cristo repudiou tudo isso, e o Espírito de Cristo pôs tudo isso de lado e assumiu o controle independente, e a comparação é óbvia. Viajamos um longo caminho em Ezequiel? Não em verdade ou em princípio espiritual!
Porque os Judeus, devido as suas posições fixas, preconceitos, orgulho e servidão ao sistema, fracassaram em ouvir a voz do Profeta; eles perderam o significado do Sinal, como eles tragicamente fizeram no tempo de Ezequiel, sofrendo consequências terríveis. O sinal é um teste, um tropeço, que serve para a elevação ou queda de muitos. Este será o efeito de todo ministério que represente uma corporificação pessoal da verdade, o qual diverge de todo material de estudo de segunda mão.
Que possamos estar bastante interessados com essa realidade de ouvir a ‘voz’ mais do que apenas palavras, e, acima de tudo, que possamos ser a personificação, e não a imitação, da verdade e do testemunho!
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