por T. Austin-Sparks
Tudo o que a maioria dos cristãos, e outros, conhecem sobre o profeta Jonas é essa substância bastante genérica do livro que leva o seu nome. A ele foi ordenado ir a Nínive onde deveria entregar uma advertência solene quanto ao julgamento iminente. Porém, ele se recusou a ir, e fugiu, tomando um navio para Társis. Então, uma forte tempestade se levantou no mar, de modo que a tripulação temeu por sua vida. Aí os supersticiosos marinheiros concluíram que havia um homem de mau agouro a bordo, e lançaram sortes para ver quem era esse homem. A sorte caiu sobre Jonas, o qual confessou, pedindo a eles que o jogassem no mar. Jonas, então, foi engolido por um grande peixe, e, três dias mais tarde, foi vomitado pelo peixe em terra seca. E assim por diante.
Muito pouco é conhecido a respeito de Jonas, e a menção de seu nome usualmente traz pouco mais que: ‘Oh, Jonas foi engolido por uma baleia!’
O fato é que Jonas foi um grande profeta em Israel, foi contemporâneo de Eliseu, vivendo no tempo final do ministério deste profeta. (2 reis 14:25). Talvez irá surpreender os nossos leitores saber que em meados do século dezenove um santo e estudioso servo de Deus na Escócia escreveu um livro sobre o ministério de Jonas que contém nada menos do que 359 páginas.
Mais tarde iremos ver que o próprio Senhor concentrou o Seu testemunho a Israel com duas referências a Jonas. Nesta série de mensagens, como vocês devem ter reconhecido, não estamos tratando da vida e dos tempos de cada profeta em questão, mas apenas buscando colocar nosso dedo sobre aquilo que cremos ser a particular ‘Voz’ de cada um deles; é uma questão de qual é o resultado daquilo que foi transmitido pelo profeta. O profeta passa, porém, a sua ‘voz’ permanece! A voz de Jonas é muito desafiadora, e Jesus condicionou o destino de Israel como nação a esta voz. O que, então, diz esta voz para todos os tempos, e, principalmente, para o nosso?
1. Primeiramente devemos tomar nota de certa singularidade a respeito de Jonas e de sua missão.
Não foi algo novo no eterno propósito de Deus, mas, nos dias de Jonas, o chamado e a comissão deste profeta foi, sim, algo inteiramente novo. Foi tão novo e incomum que assustou tanto a Jonas como a Israel. De certa forma, era inédito; certamente era algo incompatível aos ideais da nação. Foi um rompimento, uma inovação, uma coisa estranha, um abandono da tradição. Embora Deus não tivesse planejado nem intencionado a desobediência e o desvio de Jonas, em Sua presciência e soberania, Ele ordenou que fosse formada a própria configuração e base de um milagre que daria a mensagem e uma comissão mil vezes mais significativas do que se a coisa fosse de outra maneira. Tão profundo e insondáveis são os caminhos de Deus! Deus simplesmente se sobrepôs a todos os ideais fixos de Seu próprio povo; sobre todas as suas noções e caminhos estabelecidos. Foi algo novo em Israel, e esta foi uma parte – apenas uma parte, mas uma parte forte – do dilema e da dificuldade de Jonas.
Aí está a primeira nota em sua ‘voz’. Toda a batalha com o Judaísmo nos tempos do Novo Testamento, e, como indicada pela nossa frase básica (Atos 13:27), em grande parte, se não inteiramente, se desenrolou ao redor desse mesmo fato. Estevão foi assassinado praticamente por causa dessa mesma questão, qual seja:
O preconceito em Israel, no Cristianismo, como em qualquer outro lugar, simplesmente significa e diz: ‘Deus não pode fazer isso’. O preconceito fecha a porta para o homem e para Deus.
Se o escritor pode dar o seu próprio testemunho, para o que ele vale, sobre este ponto, ele tem que dizer que uma grande virada em sua vida e ministério, da limitação ao grande alargamento, foi alcançada em dado momento. Certa manhã, no Dia do Senhor, preguei sobre preconceito. Não o combati eu? Chamei-o por todos os nomes malignos que podia. Chamei-o de ‘a porta fechada, barrada contra Deus e contra o homem'. Muito bem! Durante a semana seguinte, recebi um convite para determinada conferência, com todas as despesas pagas. E eu havia dito um tempo antes que jamais teria qualquer coisa a ver com o que representasse aquela conferência; na verdade, eu jamais a tocaria nem de longe. Pois bem, esse muito gentil e generoso convite chegou, e todo o meu preconceito imediatamente buscou uma razão para recusá-lo. Eu era um homem muito ocupado, e a minha agenda estava cheia de compromissos por meses à frente. Então, essa foi a minha primeira desculpa; e eu não achava que a minha agenda iria me deixar sem uma boa desculpa. Porém, para minha surpresa, a única semana sem compromissos por um longo período de tempo era justamente aquela semana da conferência! Haveria outra desculpa honesta para se recusar ir à conferência? Eu não conseguia, de maneira alguma, encontrar uma.
Enquanto me sentei lá com o meu problema, foi como se uma voz dissesse: 'Agora, que tal o seu sermão sobre preconceito? Você tem apenas duas alternativas: ou dizer que você não vai, ou ir; e, se você disser que não vai, será devido ao seu preconceito!’ Foi uma batalha, mas o Senhor, e uma pitada de honestidade, venceram. Fui, e, embora cheio de reservas e questionamentos, como disse, foi uma crise que resultou numa nova libertação da parte do Senhor. Perdoe-me a referência pessoal, mas isso pode servir para realçar a mensagem.
O preconceito pode ser um ladrão e um salteador. Pode ser absolutamente desastroso, como no caso de Israel. Disse Natanael: ”Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?” Esse foi o ponto mais crítico em toda a sua vida, e, se ele não tivesse sido um homem honesto, ‘um verdadeiro Israelita, no qual não há dolo', (Jacó), tudo aquilo que lhe seria dito na sequência teria se perdido (João 21:2 e, como se crê, ele era idêntico a Bartolomeu, Atos 1:4,12,13). Como isso nos faz analisar os nossos preconceitos! Lembre-se, o próprio Jesus foi envolvido em preconceitos comuns, fortemente apoiados e ‘documentados’ pelas melhores autoridades, diriam as pessoas; porém, a história nos dá a resposta.
2. O preconceito, no caso de Jonas, significou uma falta de vontade em romper com os padrões estabelecidos em Israel. Os tratamentos de Deus para com Jonas, e a voz deste profeta entre os demais profetas é a
Em Israel, e em Jonas, o preconceito estava fundamentado numa interpretação errada e falsa sobre a eleição. A eleição para eles, embora sendo perfeitamente verdadeira, era interpretada como sendo uma questão de salvação, ao passo que, na verdade, era uma questão de vocação. Eles se consideravam os tais, no tempo presente e na eternidade. Eles eram os primeiros e os últimos. Todos os demais estavam excluídos sem qualquer esperança. "Se não vos deixardes circuncidar, de maneira alguma sereis salvos" (Atos 15:1,25). A tragédia, ou melhor, o crime de Israel era duplo; eles interpretaram mal a eleição e o chamado deles, e, ao fazer isso, tornaram Deus muito, mas muito menor do que Ele realmente é. Israel – para eles – era uma caixa ou uma gaiola na qual eles limitavam Deus, e procuravam mantê-lo lá dentro. Se há uma coisa que o livro e a história de Jonas diz acima de tudo é que Deus irá sacudir o céu e o mar, a fim de mostrar que o preconceito e o exclusivismo são uma violação a Sua natureza como “o Deus da graça”. A história de todos os movimentos ultra-exclusivistas, relacionados ao nome de Deus é uma história de infinitas divisões, distúrbios e censuras. É imensamente impressionante que Jesus – a plena e final expressão da graça de Deus – de forma simbólica, assumiu a morte, o sepultamento e a ressurreição de Jonas. Israel de fato era escolhido, eleito, selecionado, mas somente com a finalidade de, pela santidade e piedade de vida, de caráter, como representante de Deus, pudesse ser o mensageiro da graça de Deus às nações; que, por meio da Semente de Abraão, todas as nações da terra pudessem ser abençoadas. Esta é a vocação da Igreja; porém, o seu efetivo cumprimento aguarda e depende de que ela realmente seja uma representação verdadeira de Deus! Jonas mostrou o padrão em primeiro lugar. Mas Israel fracassou completamente. A ‘voz’ do profeta Jonas é um aviso.
3. Então, chegamos finalmente à plena e final voz de Jonas:
Dissemos “Final”, e, com isso, queremos dizer que, quando a batalha termina, então Jonas – com base na ressurreição – verdadeiramente representa Deus. O contexto de Mateus 12:41 está no verso 40. Aí, de um lado, temos uma “geração má e adúltera”, o Israel que perdeu seu lugar por ter falhado em sua vocação. No meio está Jonas, como uma parábola e um sinal. De outro lado, Jesus, descendo à morte – deste lado representando aquilo que não pode permanecer vivo diante de Deus, e, então, pela ressurreição, representando aquilo que está vivo para Deus para sempre. Este é o “Sinal” para Israel, seja histórico, seja espiritual.
Esta é a voz do profeta Jonas, porém, precisaríamos das 359 páginas (do escritor escocês) para esgotarmos este assunto!
Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.