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As Vozes dos Profetas

por T. Austin-Sparks

Capítulo 3 – A Voz de Jeremias (continuação)

"Eles não conheceram ... as vozes dos profetas que eram lidos todos os sábados" (Atos 13:27).

A Busca Por um Homem

"Dai voltas às ruas de Jerusalém, e vede agora; e informai-vos, e buscai pelas suas praças, a ver se achais alguém, ou se há homem que pratique a justiça ou busque a verdade; e eu lhe perdoarei." (Jeremias 5:1).

Há duas palavras preliminares necessárias à consideração desta tão terrível implicação. Uma é que esta sugestão não deve ser tomada de forma absoluta e final, embora pareça implicar que não havia nem um único homem em Jerusalém que falasse a verdade. Mas nós sabemos que Jeremias não estava completamente sozinho nessa busca pela verdade. Havia, pelo menos, alguns que permaneceram fiéis em seus corações, embora o declínio fosse muito grande. A outra coisa é que, apropriado como possa ser, como desafio para o nosso próprio tempo, nós também não estamos sugerindo aqui que haja em nossos dias tal estado geral de rejeição e de rebelião contra Deus e uma aliança com os deuses pagãos, como se deu entre o povo de Deus no tempo de Jeremias. 

Tendo dito isso, nós ainda sentimos que há a ocasião e a necessidade de que esta ‘Voz’ seja atendida. É a busca por um homem, e a ênfase deve ser colocada sobre “um homem”. Deus nos revela na Bíblia que Ele está sempre à procura de um homem. Na criação e ao longo de toda a história, a Bíblia mostra como o coração de Deus está em busca de um homem que seja segundo o Seu coração. Uma questão levantada pelo salmista abrange as eras - "O que é o homem para que te lembres dele?” (Salmo 8:4).

Com Jeremias esta questão se torna um desafio. É um desafio quanto ao lugar onde possa haver um homem segundo a mente de Deus. Pode ser que pouquíssimas pessoas respondam completamente a este desafio, mas há determinadas características que pesam muito para Deus na constituição desse homem objeto de Sua busca. Nem tudo o que o mundo valoriza, a fim de tornar o homem admirado, corresponde àquilo que Deus tanto preza. Quando Pilatos trouxe Jesus e exclamou: "Eis aqui o homem”, tudo em Jesus, em relação a sua posição, seu sucesso, seus associados, seu porte físico, sua aparente impotência de “salvar a si mesmo”, suas perspectivas, etc., colocou-o na posição do mais absoluto desprezo perante o mundo e os homens. Paulo estava certo quando disse: "Para os Judeus, um escândalo, e, para os Gregos, uma loucura”. O mundo, a mentalidade mundana, exige como ideal o homem de sucesso, de prestígio, que possui meios, reputação, com capacidade natural, de um tipo ou de outro, tal como social, físico, intelectual. Sem essas coisas óbvias o homem simplesmente é “desprezado e rejeitado pelos homens”. 

Em em sentido contrário à estimativa do mundo está a avaliação de Deus sobre os valores do homem. O que foi que Jeremias desafiou seus ouvintes a encontrar? Olhe para a descrição e você olhará diretamente para os olhos de Deus. Você verá que com Deus os aspectos que caracterizam o homem que Ele procura são valores espirituais e morais. 

Uma palavra ou virtude abrange uma grande gama. É a palavra “Verdade”. Ela é algo elementar. Isto é, não é algo fabricado ou combinado. A verdade possui princípios em sua própria natureza. O que é feito pode ser desfeito. A verdade é uma essência. É algo fundamental, indestrutível. Se alguma coisa pode ser destruída, aniquilada e acabada, então não é a verdade. A verdade é eterna. Deus não irá tolerar nem se comprometer com nada que mais tarde venha ser revelado como sendo mentira. A verdade é um elemento espiritual. 

Aí está a mais profunda razão porque Deus é tão intensamente zeloso em relação à verdade. Toda a história do naufrágio e ruína, do pecado e todas as suas consequências neste mundo, deve-se a uma mentira inicial e fundamental.  Foi uma mentira a respeito de Deus. Foi uma mentira a respeito do homem. Foi uma mentira a respeito do destino do homem. A mentira foi uma decepção, um engano, um truque e um laço, uma distorção, uma invenção e uma fabricação, uma perversão, um mito, um subterfúgio, um disfarce, uma falsificação; foi uma hipocrisia e um fingimento. Foi, em natureza, uma ‘serpente na grama’, um ‘lobo em pele de ovelha’, um Satã disfarçado de ‘anjo de luz’. Como uma picada de serpente, a mentira entrou no sangue da humanidade e impregnou a própria constituição do sistema do mundo. No início a mentira pareceu muito simples, mas no final será algo muito complexo, tão absoluto e flagrante que os homens irão “crer na mentira, ao invés da verdade”, porque dessa maneira eles conseguem obter mais facilmente os seus objetivos. Nós estamos agora vivendo uma época em que os sistemas e as ideologias reinantes têm repudiado a existência de algo como a verdade, a qual é ridicularizada e combatida. Por isso o mundo e a sociedade estão se desintegrando. Não há segurança nem garantia em lugar algum. 

Não é de admirar que Deus abomine tanto toda e qualquer aparência de inverdade, e que o ódio de Jesus pela mentira fosse tão ferrenhamente demonstrado por Ele contra todos os hipócritas e mentirosos de Sua época.

É por isso que Deus dá tanto valor ao homem que “fala a verdade, mesmo que tenha prejuízo”; que, não somente fala a verdade, mas que vive a verdade. A verdade é algo que procede do “íntimo”. A estrutura, os instrumentos, os meios empregados e abençoados por Deus podem passar, mas o valor espiritual interior que é o próprio Deus, isso irá permanecer para sempre; jamais será destruído. 

De tudo o que pode ser dito sobre os profetas, é esta “Voz” que é o maior desafio. Eles permaneceram solidamente contra todas as formas de falsidade. E, quando Satanás buscou desacreditá-los por meio de “falsos profetas”, eles resistiram e, por fim, Deus vindicou a verdade. 

Nós temos que permanecer na verdade, porque a queda de Satanás e todos os seus resultados devastadores são atribuídos ao seu “não permanecer na verdade”.

Concomitantemente à verdade está outra virtude que Deus valoriza muito.  A Bíblia faz muito disso em relação ao homem de Deus. Isto é mais do que a voz das palavras dos profetas, é a característica dos próprios profetas. Refiro-me à coragem espiritual.

Essa virtude, como sabemos, foi uma característica muito real de Cristo, e foi um dos evidentes frutos do Espírito Santo nos Apóstolos e em outros, e depois, o Dia de Pentecoste. Repetimos: os profetas foram excelentes nesse assunto. Tal como acontece com a verdade, assim também ocorre em relação à coragem, muito terreno é coberto por ela. Um grande soldado moderno classifica a coragem como suprema entre as demais virtudes. Se realmente analisássemos e definíssemos a coragem e percebêssemos todos os seus aspectos, iríamos concordar com essa estimativa.

Há outras palavras e outras maneiras de dizer a mesma coisa. Por exemplo, não há nenhuma palavra nesta categoria que consiga mostrar a estimativa de Deus sobre este valor mais do que a palavra fidelidade. Fidelidade é a própria essência e personificação da coragem. Deus associou a coroa da vida à fidelidade. 

"Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida." Fidelidade a Deus. Fidelidade à verdade. Fidelidade àquilo que Deus tem mostrado. Fidelidade à nossa confiança. Fidelidade ao nosso irmão. Uma palavra que carrega o mesmo significado e pode nos trazer para mais perto do aspecto prático é a palavra lealdade. É necessária coragem para ser leal. O contrário de coragem é covardia, consenso, política, diplomacia; é qualquer coisa que sacrifique um princípio, a fim de se obter um ganho pessoal, uma vantagem, uma conveniência. A deslealdade é a característica mais desprezível. 

É muito custoso ser leal, corajoso, e fiel, e isso significa que, algumas vezes, ela coloca a nossa popularidade e aceitação em perigo. Patrocinar uma causa, um ministério ou um instrumento do Senhor que seja impopular pode nos causar uma real hesitação, caso a política e a vantagem pessoal exerçam influência sobre nós. Paulo disse a Timóteo: "Não se envergonhe do testemunho do nosso Senhor, nem do nosso, que somos prisioneiros dele." Pode ter sido custoso naquele tempo carregar o testemunho de Jesus, mas fazia bem à alma mostrar fidelidade àquele homem do mundo inteiro, que agora se encontrava no ostracismo e na prisão. Era um grande triunfo para esse jovem permanecer fiel a Paulo até o fim. Ele, desde então, compartilhou a vindicação de Paulo. 

Elogiamos os profetas, os apóstolos e os mártires, porém, devemos nos lembrar de que, no tempo deles, eles patrocinavam as causas mais impopulares, e - aparentemente – as mais desesperadas, e tiveram que mostrar uma coragem suprema em grande solidão e rejeição.
Olhe e ouça novamente suas “Vozes” como a personificação da coragem diante de cada possível aspecto da ‘conformidade com a morte de Jesus’.

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