(publicado na revista “A witness and a testimony”, jan-fev 1965; republicado como livreto em 2000)
Ex 36:20 = “Também fez tábuas levantadas para o tabernáculo, de madeira de cetim” (versão RC);
1Re 18:15 = “E disse Elias: Vive o SENHOR dos Exércitos, perante cuja face estou”;
Jz 7:21 = “E ficou-se cada um no seu lugar ao redor do arraial”;
Sl 134:1 = “Eis aqui, bendizei ao SENHOR todos vós, servos do SENHOR, que assistis na Casa do SENHOR todas as noites”
O tabernáculo representou a totalidade do povo de Deus, a soma de todos eles, em sua vida juntos em Cristo. Era, entretanto, uma construção móvel, fixa não de qualquer modo permanente, mas levantada e desmontada novamente, depois montada e novamente desmontada em pedaços, de acordo com as jornadas do povo como determinado pela vontade de Deus. Cada vez que este processo de desmonte tinha lugar, havia um momento quando a natureza essencial da edificação ficava a descoberto e se via que consistia de tábuas: tábuas que permaneciam em pé.
Quando as quatro coberturas externas que protegiam o tabernáculo eram removidas, a estrutura essencial era vista como sendo feita de três paredes de madeira com suas cortinas. Depois que as cortinas eram tiradas, podia se ver que as filas de tábuas eram mantidas juntas por várias barras que corriam horizontalmente ao longo da parte interna das tábuas para dar-lhes coesão. No desmonte, chegava a hora destas barras serem removidas, mas é importante perceber que quando isto era feito as tábuas não caíam, elas permaneciam em pé. Mesmo quando suas conexões eram removidas e todos os suportes externos eram levados embora das tábuas individuais, elas não caíam ao chão.
Uma por uma, as tábuas eram então levantadas e preparadas para a jornada, até que por último havia apenas uma tábua restante. Não era necessariamente a mesma tábua em cada ocasião, mas sempre havia um momento em que apenas uma restava. Isto era agora tudo o que se podia ver do tabernáculo, a representação da Casa de Deus – apenas uma tábua. Mas ela ainda estava em pé. “Ele fez o tabernáculo de tábuas de madeira de acácia, permanecendo em pé” . Assim, após o desmonte e a separação finais, era visto que, reduzido ao seu simples mínimo, o segredo escondido da edificação de Deus resume-se a tábuas que sempre são capazes de permanecer em pé.
Preparação das tábuas
Cada tábua, é claro, tinha sua própria história, assim como cada um de nós que tem parte na Casa espiritual de Deus deve também ter uma história pessoal sob a mão de Deus. Era uma história de rompimento, pois por um tempo a árvore havia crescido sobre suas próprias raízes e dependido delas para sua vida e suporte. Podia ter sido uma árvore boa e suficientemente estável, mas enquanto existia em virtude de sua própria força natural não tinha lugar na construção de Deus. A natureza, entretanto, foi trabalhada, trabalhada com severidade e mesmo implacavelmente, quando o machado caiu e cortou a árvore de sua posição e a deixou prostrada e desamparada. Mas este não era o fim da história, pois o processo de corte tinha que continuar, reduzindo e modelando a madeira até que ela estivesse apropriada para a tarefa sagrada para a qual havia sido escolhida.
A aplicação espiritual deste processo de corte e modelagem nos é familiar. Sabemos que não podemos ter lugar vital nos propósitos de Deus até que a lâmina afiada da Cruz tenha feito seu trabalho. É essencial que nos conheçamos para sermos cortados de nossos recursos naturais, removidos do domínio do que somos como homens, e é também essencial que o Senhor possa nos reduzir e remodelar de acordo com Sua própria mente. Não podemos fazer isto por nós mesmos, mas podemos reconhecer nossa necessidade e cooperar com o Senhor em humilde fé e paciência enquanto Ele trabalha em nós. No caso da tábua, era uma operação de uma só vez. Em nosso caso, o trabalho da Cruz deve seguir adiante todo o tempo. Só ao chegarmos à glória nós seremos capazes de afirmar que nada mais deste trabalho é necessário.
Redução é, obviamente, a parte negativa do tratamento de Deus conosco, mas tudo é feito com o propósito positivo de nos tornar aptos para o trabalho em mãos. Cada uma das tábuas era feita para se conformar a um certo padrão prescrito; para todas as aparências, elas eram todas semelhantes e todas de acordo com as medidas divinas. No desenvolvimento espiritual, devemos apreciar que Deus não deseja nem produz uniformidade externa, este não é de forma alguma o Seu propósito. Para nós, o padrão divino é uma questão íntima, mas não há nada fortuito nisto, pois a medida divina é a medida de Cristo. Este é o objetivo positivo que o Pai tem em vista em todos os Seus tratamentos conosco, Ele está nos conformando ao Seu Filho.
Após isto as tábuas eram completamente cobertas com ouro. Isto, é claro, tinha o efeito de lhes dar um valor que era de todo muito além delas mesmas, uma glória que não pertencia a elas por natureza. Esta é uma outra importante característica da vida em Cristo, a outorgação a nós das glórias da própria natureza de Cristo. O ouro sempre representa a própria natureza de Deus. Cristo, como o verdadeiro Filho do Pai, é ouro puro. Por sua obra redentiva Ele proveu este presente a nós da Sua própria vida. A humilde e ordinária árvore podia apenas prover uma muito humilde e ordinária tábua, mas o ouro glorioso de Sua beleza dá um significado e valor inteiramente novos a ela. Assim também conosco. Os verdadeiros valores espirituais de nossas vidas são aqueles que recebemos pela fé como um presente de Cristo. Ao nos levantarmos como as tábuas douradas na casa de Deus nosso testemunho é: “Não o que eu sou, Senhor, mas o que Tu és”.
Menção deve ser feita da altura uniforme das tábuas, que era de dez côvados . Parece que nas Escrituras o número dez fala de responsabilidade sob teste. Lembramos que o jovem Daniel, quando primeiro se levantou no nome do Senhor, pediu um teste de dez dias para provar o valor prático de sua vida abstêmia. No Novo Testamento temos as dez virgens, as dez libras e os dez dias de tribulação para a fiel igreja de Esmirna. Assim, a frase “permanecendo em pé” tem também este sentido: aqueles que podem agüentar responsabilidade e suportar o teste do tempo. Este é o tipo de material que Deus usa para Seu edifício.
O chamado de Deus a nós
O desafio deste simbolismo é muito simples mas também é muito penetrante. Significa que devo encarar a questão do que aconteceria em meu caso se todas as coberturas e todos os suportes fossem levados embora, se eu fosse repentinamente privado até mesmo dos auxílios dados por Deus para força e unidade, e fosse deixado completamente sozinho. Eu seria uma tábua solitária. Sim, mas eu ainda estaria permanecendo em pé? Este seria o teste final.
Estamos sendo todos testados – não pode haver dúvidas disto. O povo de Deus está passando através de todos os tipos de experiências estranhas e dolorosas, e as indicações são de que estas irão aumentar e não ao contrário. O que isto tudo significa? Significa que nossa própria vida pessoal com Deus está sendo exposta a todo tipo de teste, e que se nós estamos para ser elementos dignos em Seu prédio, espera-se que sejamos sempre encontrados permanecendo em pé, mesmo se parecemos estar em pé sozinhos.
Não é suficiente ter sido cortado e modelado corretamente como uma tábua. Nem mesmo é suficiente ser coberto com ouro e radiante com Sua glória. É essencial que permaneçamos em pé. A obra de Satanás é a de nos sacudir, ocasionar nosso colapso, confrontar o Senhor com o triste espetáculo de tábuas prostradas, caídas diante de artimanhas e ameaças malignas. Mesmo um Elias, capaz de declarar tão fortemente que era um homem que permanecia diante do Senhor , estava em um dado momento tão desanimado e desencorajado, tão chocado pelos estranhos tratamentos de Deus com ele, que foi encontrado prostrado sob o zimbro . Ele que tinha permanecido tão firme por tanto tempo, agora tinha caído. E por quê? Principalmente porque ele olhou ao seu redor para o resto do povo que estava todo caído em incredulidade e medo. Ninguém havia que se juntasse a ele em seu auxílio. Ele parece ter dado vez à autopiedade, pois reclamou ao Senhor: “Eu, tão somente eu, fui deixado” (1Re 19:10). Isto não era de fato verdade. Raramente é verdade que os servos de Deus estão tão sozinhos como lhes parece. Mas mesmo que tivesse sido verdade, esta não era razão para que Elias caísse com o resto deles. E não há razão pela qual devamos permitir que nossas dificuldades e aparente falta de apoio dos outros nos levem a cair. Sua casa é feita daqueles que sabem como permanecer em pé – se necessário, permanecer só.
É bem verdade que, na experiência normal das tábuas do tabernáculo, elas eram mantidas juntas pelas barras transversas de suporte. Estas barras davam solidez e força à estrutura, e geralmente se pensa que elas tipificam os fatos espirituais que ligam os filhos de Deus juntos em sua vida de fé. Nós precisamos destas ajudas divinamente oferecidas, e fazemos bem em usá-las tão plenamente quanto nós somos capazes. A despeito disto, embora seja essencial que aprendamos a permanecer juntos, igualmente deve ser verdade que no Senhor consigamos permanecer sozinhos. A vida de comunhão é uma provisão divina, e é quase impossível exagerar sua importância em nossa vida espiritual.
Precisamos uns dos outros, e o Senhor precisa que reconheçamos e mantenhamos a unidade que Ele tem provido. Mas cada bênção espiritual traz consigo um correspondente perigo espiritual, e é um grande perigo da comunhão que a usemos mal e nos apoiemos uns nos outros em vez de permanecer no Senhor. Não há substituto para uma vida pessoal com o Senhor.
A verdade é que a vida de comunhão somente é forte quando os componentes individuais estão eles mesmos enraizados e fundamentados em Deus. Não seria difícil encontrar em ambos Antigo e Novo Testamentos exemplos daqueles que fizeram uma grande contribuição à vida corporativa do povo de Deus exatamente porque podiam permanecer sozinhos. Israel foi salvo porque no momento crítico Gideão e seus homens permaneceram firmes em seus postos, destemidos diante dos grandes revezes contra eles . A vida espiritual do povo de Deus foi mantida pelos poucos fiéis que nas vigílias da noite permaneceram diante do Senhor no serviço de intercessão do santuário . Que importância é atribuída a este simples fato de que as tábuas individuais contribuem tanto para o todo porque foram feitas para permanecer em pé!
Permanecendo na redenção
Uma olhada posterior nas tábuas do tabernáculo nos mostrará que, embora elas tenham sido cortadas de suas prévias raízes naturais, elas não estão sem base – longe disto. As tábuas não permaneceriam em pé por muito tempo se tivessem sido apenas equilibradas, especialmente porque teriam sido equilibradas na areia. Não, elas não foram tiradas de suas raízes naturais para serem deixadas em uma condição precária e instável, mas cada uma recebeu dois encaixes de prata sólida . Prata nos lembra da redenção, e nenhum de nós pode permanecer continuamente nos propósitos de Deus a menos que estejamos firmemente sustentados pelo poder redentivo de Cristo. As tábuas eram modeladas de tal forma que cada uma delas tinha seu próprio meio de penetrar nas bases, e assim, tal como era, de se apropriar de sua força. Cada tábua tinha suas próprias bases. Não havia uma longa barra de prata com furos para cada tábua, mas um bloco separado para cada uma das duas “mãos” ou encaixes da tábua. Aqui, então, estava o segredo da estabilidade de cada tábua – ela tinha sua própria fundação sólida e tinha um enraizar individual naquela fundação.
Redenção significa que não pertencemos a nós mesmos, somos pessoas compradas. Deixe-se os braços de nossa fé se lançarem profundamente nesta gloriosa verdade e conheçamos por nós mesmos a realidade de sermos comprados por Deus para Ele mesmo, e então encontraremos estabilidade mesmo no meio da areia do deserto. Deixe-se um grupo de cristãos permanecer no bem desta mesma verdade gloriosa e ao mesmo tempo permanecer juntos, e Deus terá um lugar de habitação entre eles.